A importância da representatividade feminina na engenharia

A igualdade entre indivíduos é fundamental em qualquer ramo da sociedade. Seja ele político, econômico ou social. No Brasil, mulheres representam 51,7% do país, estudam mais que os homens, tem recebido aumento salarial significante nos últimos anos, mas ainda assim não ocupam a maior porcentagem de cargos de destaque seja na indústria ou política e recebem menos (FONTE: IBGE 2018).

Por consequência de aspectos culturais em nossa sociedade, os dados acima refletem diretamente no ingresso, permanência e conclusão de mulheres em cursos de engenharia. Temos essencialmente uma sociedade marcada pelo machismo, que vem sendo desconstruído ao longo dos anos, mas ainda assim influencia na escolha de curso de ensino superior de qualquer um dos sexos. 

Apesar de todas as marcas do passado que se refletem no presente e futuro é importante entender o papel da igualdade dentro da sociedade e ainda mais no ramo da engenharia para que seja possível construirmos um futuro cada vez mais igualitário.

Pesquisas realizadas pela McKinsey, renomada empresa de consultoria estratégica, apontam a importância entre equipes com igualdade de gênero. Em 2015, um estudo foi realizado em times onde havia uma distribuição equilibrada entre homens e mulheres e times onde a predominância era masculina. Foi observado que em times com maior diversidade, os resultados ligados à performance financeira foram 15% maior do que os resultados em times com pouca diversidade.

No mesmo estudo, foi possível notar que de três países em análise (Estados Unidos, Brasil e Inglaterra) as mulheres representam mais de 50% em relação à população total, mas ainda assim não chegam nem a 20% de representatividade em cargos de liderança.

Em 2017, pesquisas da Unesco também revelaram que mulheres correspondem a menos de um terço de pessoas empregadas em pesquisa e desenvolvimento científicos no mundo. Além disso, estudos realizados pela organização indicaram que dentre os ingressantes de carreiras relacionadas à engenharia, matemática, física e química, os homens são os que têm maior probabilidade de permanência.

As porcentagens tratadas acima são explicadas indiretamente pelo baixo número de mulheres em cursos de exatas. Com poucas mulheres ingressantes em cursos superiores como engenharia, a chance de que elas cheguem até cargos de destaque e sejam pesquisadoras científicas renomadas é muito menor em relação a seus colegas de trabalho.

Felizmente, no Brasil, existe uma mudança significativa em relação ao ingresso de mulheres comparado às décadas do século passado, onde sua participação era quase nula em cursos ocupados, majoritariamente, por homens.

De acordo com a primeira mulher a assumir diretoria da Escola Politécnica de São Paulo, Liedi Légi Barini Bernucci, foi possível identificar o aumento das mulheres nas salas de aulas nos últimos tempos: 

Essa é uma tendência natural de resposta do gênero feminino em busca da igualdade nas profissões. A cultura do país está evoluindo e passando a aceitar as mulheres em áreas consideradas mais masculinas. Como elas estão mais participativas nas atividades econômicas, isso começa a despontar para a geração mais jovem e, consequentemente, aparecem mais meninas ingressando em cursos de ciências, tecnologia e engenharia.”

Ainda que o cenário tenha começado a mudar, Liedi ressalta que o movimento se dá por uma evolução cultural e não por políticas públicas que poderiam aumentar ainda mais a participação feminina neste campo.

Em 2017, foi realizado o Censo da Educação Superior pelo Quero Bolsa e dados apontam que o sexo feminino é maioria em porcentagem de ingresso em pelo menos 3 cursos da área: Engenharia de Alimentos, 62,9%, Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, 59,4%, Engenharia Têxtil, 53,6%. Por outro lado, em cursos tradicionais como Engenharia Civil, Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica as porcentagens não são muito animadoras sendo 27,7%, 9,8% e 11,7%, respectivamente.

A Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Poli-UFRJ), buscando aumentar o ingresso, permanência e conclusão de mulheres em cursos de engenharia, lançou em maio de 2019 a campanha #EsseLugarTambémÉMeu. A campanha visa o aumento de mulheres nos cursos de engenharia por meio de ações de divulgação fora da Universidade visando atrair mulheres de fora da comunidade acadêmica e lutar para tornar o ambiente interno da Universidade um lugar seguro para as mulheres presentes.

Figura 1: Criadoras do movimento #EsseLugarTambémÉMeu

Fonte: Agência Brasil

Além do movimento nas universidades, temos um movimento bem mais acessível à população por meio de canais de Youtube onde mulheres literalmente colocam a mão na massa e mostram para meninas de diversas idades que é possível sim tirar as ideias do papel com conceitos básicos de engenharia, como os canais Physics Girl, Gross Science e Simone Giert. Os canais focam em desmistificar “mistérios” da ciência encorajando jovens meninas a perseguirem o sonho de se tornarem grandes referências dentro do mundo científico.

Figura 2: Simone Giert em um de seus vídeos no YouTube

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Fonte: Youtube

Existem também linhas de brinquedo dedicados exclusivamente a estimular o interesse de crianças por engenhocas que se desvinculam dos brinquedos comuns destinados ao público feminino como bonecas, maquiagens e itens de cozinha. A empresa americana Goldie Blox (que tem a seguinte frase de destaque em seu site: “Curiosidade mata o esteriótipo: vamos criar um exército de garotas que põem a mão na massa”), foca em empoderamento feminino através dos brinquedos lúdicos de sua marca e aproveita das campanhas de marketing para encorajar jovens meninas a se aventurarem no mundo da engenharia 

Figura 3: Brinquedos da Goldie Blox

Fonte: Goldie Blox

Link para vídeo da marca: https://www.youtube.com/watch?v=ArNAB9GFDog)

Segundo Cláudia Morgado, diretora da Poli-UFRJ, quanto maior a participação da mulher nos ambientes de tomada de decisão econômica, maior é o reflexo na economia do país. Ainda, segundo estudo da Cátedra Unesco Mulher, da Ciência e Tecnologia na América Latina de 2018, é apontado que 9 em cada 10 meninas de 6 a 8 anos afirmam que engenharia é “curso de meninos”.

A construção social cria no pensamento das pessoas o preconceito entre “coisas de menino” e “coisas de menina” e muitos absorvem esse pensamento de modo equivocado. Além do preconceito, há um grande problema com o machismo presente na sociedade. Este tipo de pensamento gera inúmeras consequências negativas, como assédio sexual e moral, que não garantindo um ambiente seguro para as mulheres que desejam frequentar ambientes culturalmente comuns a homens.

A grande luta das mulheres está justamente ligada a vencer todos os preconceitos, tolerar e suportar situações indesejadas e nada confortáveis para ainda enfrentar um curso de elevada dificuldade sendo testada e colocada à prova em todo momento. Apesar de todo o lado ruim que existe na trajetória, existem histórias inspiradoras que encorajam futuras engenheiras a persistirem no sonho de estar no curso de seus sonhos. 

Filha de engenheiro e diretor da EESC, Evelyna Bloem Souto, a primeira mulher a cursar engenharia na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) em 1957, conta em uma entrevista à USP, que desde pequena admirava a profissão do pai. Como aluna do curso de Engenharia Civil, participou de mais de 60 congressos por vários países com bolsas de estudo para desenvolver suas pesquisas em universidades no exterior, como Harvard. Continuou sua graduação na EESC e se tornou PhD em Geotecnia na universidade de origem até sua aposentadoria. A pioneira relata os desafios que enfrentou por ser mulher na profissão:

“A primeira bolsa que consegui foi em Paris. Eu e mais 10 alunos homens fomos visitar um túnel que estava sendo feito para ligar a França à Itália. Eu fiz questão de estar lá porque sabia que posteriormente teríamos de construir túneis no Brasil, mas não queriam que eu entrasse. Fizeram com o que eu me vestisse de homem, colocasse galochas, prendesse o cabelo e desenhasse barba e bigode no meu rosto. Só assim pude verificar as obras. Essa foi a maior prova de preconceito que sofri na época”.

Figura 4: Evelyna, primeira aluna do curso de Engenharia Civil da EESC

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Fonte: USP

Durante a criação do Departamento de Geologia e Mecânica dos Solos, onde teve papel fundamental e futuramente viria a ser chefe do departamento, também sofreu discriminação:

“O presidente me fez assumir o papel de bibliotecária para que ninguém soubesse que eu era engenheira. Mas fui conquistando o meu espaço, e não demorou muito para eu virar chefe de tudo”, relata.

Figura 5: Inauguração departamento de Gotecnia EESC

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Fonte: USP

Diante de todos os dados apresentados e relatos intensos é possível concluir a importância de abraçar uma luta tão nobre e justa. Além de melhorias evidentes na economia e em toda a sociedade ainda é possível entender que abraçar a causa faz sentido para evoluirmos cada vez mais para um ambiente mais homogêneo, igualitário e justo para todos. 

Histórias como a de Evelyna devem nos impressionar em um primeiro momento e nos dar força para construir um mundo onde histórias como estas não sejam mais manchete de sites de notícia.

Movimentos como os criados na UFRJ e pela marca de brinquedos Goldie Blox devem ser estimulados agora para que, em breve, ações como essa não precisem mais ser tomadas. Encorajar meninas a quebrarem o tabu e se aventurarem no ramo de engenharia é um passo para uma sociedade melhor e mais igualitária.

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