Quem nunca quando criança desmontou algum objeto cotidiano por curiosidade de descobrir seu funcionamento? Aquele reloginho despertador que sempre sobrava um parafuso depois de remontado! Pois essa prática é o princípio da engenharia reversa (ER), método muito usado para estimular a criação de novas funcionalidades e aprimorar as já existentes em uma máquina.
Mais formalmente, engenharia reversa é o processo de descobrir a função e o modo de operação de algum objeto ou sistema através da análise de seu mecanismo. Basicamente, é desmontar uma máquina para descobrir como esta funciona.
Figura 1: Carro desmontado.
História da engenharia reversa
Embora não se saiba exatamente quando começou, esse processo foi bastante utilizado em períodos de guerra para aprimoramento de armas e veículos a partir do estudo dos objetos inimigos capturados no campo de batalha. Durante a Primeira Guerra Mundial destaca-se o caso de Roland Garros, aviador francês, que desenvolveu um sistema para disparar sua metralhadora sem acertar as hélices de seu avião. Capturado pelos alemães, sua aeronave foi fonte de análise por Anthony Fokker que implantou essa tecnologia na própria frota alemã, obtendo vantagem no confronto.
Posteriormente, pós Segunda Guerra Mundial, essa prática ajudou os japoneses a se reestruturarem até se tornar uma das grandes nações mundiais. Tendo sua economia e fábricas arrasadas pelas bombas atômicas e derrota no confronto, o Japão recebeu muito investimento e novas tecnologias vindos dos EUA. Dessa forma, usaram engenharia reversa com os produtos estrangeiros para aprender os diferentes meios de produção para que fosse possível reconstruir sua indústria nacional, fundamentadas principalmente em eletroeletrônicos e automóveis.
Sua prática em si não é ilegal pois trata-se apenas do estudo do mecanismo, porém deve se atentar para não violar os direitos autorais ou patentes desses produtos. Há um consenso em que ela deve ser realizada em somente casos lícitos, em contrapartida se esta condição não for cumprida considera-se espionagem industrial tornando-a proibida. Além disso, para desenvolver outro sistema baseado no original, ele deve conter modificações de maneira que evite copyright; caso haja patentes as especificações são públicas, logo não há problema nessa ação contanto que não tenha plágio.
Aplicações da engenharia reversa
Atualmente um campo forte de aplicação é na engenharia de software. Alguns programas chamados softwares proprietários não possuem seu código aberto, isto é, não permitem o acesso à fonte de programação, assim a ER pode ser usada para analisar, entender e reconstruir esse aplicativo. Isso já foi usado pelos fabricantes de processadores AMD, que conseguiram fazer uma cópia idêntica de um processador Intel por tentativa e erro. Outro ponto no qual esse método é utilizado consiste em criar programas para outro sistema operacional através da análise do original. Com esses trabalhos, pode-se propagar o conhecimento antes restrito, gerando assim novas ideias para aplicar em outras áreas.
Outra situação no qual foi usada, ocorreu quando o CEO da Tesla, Elon Musk, liberou a utilização de suas patentes para carro elétrico, visando o estímulo da produção desses automóveis por seus concorrentes. Com essa ação outras empresas começaram a usar a tecnologia inventada pela Tesla, para desenvolver seus próprios modelos de veículos, algo que pouco era feito devido à dificuldade de evitar as patentes presentes. Assim, estimulando a prática da engenharia reversa, mostrou-se a importância desta para a aceleração do processo de conhecimento científico.
Figura 2: Carro elétrico da Tesla.
Vantagens de usar engenharia reversa
Mas afinal, por que aquela simples brincadeira que tínhamos quando criança, cresceu e passou a ser algo proveitoso e utilizado por grandes empresas?
- Facilita a criação de produtos: com a prática da ER é possível analisar e usar a tecnologia já existente para melhorar seus próprios produtos, assim não é necessária uma grande invenção toda vez que alguma nova funcionalidade for adicionada.
- Competição do mercado acelera a inovação: fazendo engenharia reversa há a possibilidade de uma empresa estudar e, posteriormente, aprimorar o projeto de uma concorrente, logo, para controlar novamente o mercado, são necessárias novas criações e, consequentemente, mais produtos para o consumidor.
- Melhorar processos de fabricação: analisando os componentes do sistema e a função de cada peça, torna-se possível determinar o melhor processo para sua fabricação, e assim otimizar o desempenho da máquina.
- Atualizar documentação: quando a documentação de operação ou manutenção de um dispositivo estiver precisando de renovação, porém os projetistas originais não estão mais disponíveis para fazer o serviço, a engenharia reversa pode ser utilizada para conseguir atualizar os dados necessários.
- Economicamente vantajoso/economia de tempo: utilizando engenharia reversa não há pesquisas iniciais básicas para descobrir tecnologias únicas, mas sim para desenvolver aquelas já inventadas, produzindo algo original a partir destas. Começando com uma base de estudo bem definida, o processo fica muito mais barato e rápido.
- Manutenção de software legados: com o passar dos anos alguns programas tendem a ficar ultrapassados e alguns não contemplam mais as necessidades atuais, que sofreram transformações. Com a ER pode ser feita a manutenção desses softwares para uma nova versão, mais atual e que compreenda as mudanças ocorridas nos últimos tempos. Além disso, pode ser usado para arrumar possíveis erros não encontrados durante a implantação ou fase de testes.
- Fins acadêmicos: para estudo de mecanismos e saber como funciona uma determinada peça ou sistema pode ser muito didático. Desmontar uma máquina e observar a função de cada componente serve para aprender o sistema presente, bem como para descobrir o uso desta para utilizá-la futuramente em outro projeto.
As máquinas sofreram muitas mudanças ao longo do tempo sendo algumas delas através da engenharia reversa, desde simplesmente desmontar um relógio até um aprimoramento de uma nova tecnologia essa prática vem sendo importante. Assim, sua aplicação apresenta-se bastante vantajosa e o contínuo incentivo ao seu uso nos levará a maiores patamares da inovação científica.